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Análise fenomenológica existencial do livro “A Biblioteca da Meia-Noite“

  • Foto do escritor: Sayonara Gomes Barbosa
    Sayonara Gomes Barbosa
  • 30 de out.
  • 5 min de leitura

Sinopse do livro


Aos 35 anos, Nora Seed é uma mulher cheia de talentos e poucas conquistas. Arrependida das escolhas que fez no passado, ela vive se perguntando o que poderia ter acontecido caso tivesse vivido de maneira diferente. Após ser demitida e seu gato ser atropelado, Nora vê pouco sentido em sua existência e decide colocar um ponto final em tudo. Porém, quando se vê na Biblioteca da Meia-Noite, Nora ganha uma oportunidade única de viver todas as vidas que poderia ter vivido.


Neste lugar entre a vida e a morte, e graças à ajuda da Sra. Elm, a bibliotecária de sua antiga escola, Nora pode, finalmente, se mudar para a Austrália, reatar relacionamentos antigos - ou começar outros -, ser uma estrela do rock, uma glaciologista, uma nadadora olímpica... enfim, as opções são infinitas. Mas será que alguma dessas outras vidas é realmente melhor do que a que ela já tem?



Análise (com spoilers)


É possível, a partir de uma análise do livro A Biblioteca da Meia-Noite, de Matt Haig, fazer uma relação com as ideias de Heidegger acerca do verdadeiro sentido do Ser, que ele designa como Dasein (Ser-aí).


Para Heidegger o Dasein nunca é sua totalidade, mas ao ser lançado no mundo, está inserido em múltiplas possibilidades de realização, em outras palavras, pode estar sempre desvelando novas possibilidades (Sá, n.d.). A personagem Nora, porém, só se definia à luz do que não era, das coisas que não tinha conseguido ser, “Não fui nadadora olímpica. Não fui glaciologista. Não fui mulher do Dan. Não fui mãe. Não fui vocalista dos Labyrinths. Não fui uma pessoa boa de verdade nem feliz de verdade”. Revelando, portanto, um aprisionamento em identificações com possibilidades de “ser” rígidas.


Após seu gato ser atropelado, ser demitida do seu emprego e ser dispensada pelo vizinho idoso da única tarefa que fazia com que seus dias tivessem um pouco de sentido, Nora sente que sua existência não é mais necessária, que ninguém mais precisa dela e decide que quer morrer. Portanto, rompe-se o “mundo” de Nora, surge a angústia frente ao nada, frente ao “vazio” de sentido. E é assim que a personagem vai parar na Biblioteca da Meia-Noite.


A Biblioteca da Meia-Noite é um lugar onde o tempo não passa. Neste lugar entre a vida e a morte, Nora recebe a oportunidade única de experimentar todas as vidas que ela poderia ter vivido caso tivesse feito outras escolhas. Cada livro da biblioteca apresenta uma vida diferente: a de nadadora olímpica, musicista, filósofa, esposa, viajante, glaciologista... A biblioteca seria, nesse cenário, uma metáfora do “mundo de possibilidades”.


Um momento crucial na história é quando, numa das vidas possíveis, Nora avista um urso-polar e quase é devorada por ele. XXX Apesar do choque, o urso acaba fugindo e aquela se torna para Nora uma experiência reveladora, assim descrita pelo narrador: “O choque não havia resultado do fato de ela achar que estava prestes a morrer. Estava à beira da morte desde que botou os pés na Biblioteca da Meia-Noite. Não, o choque estava no fato de ela ter sentido como se estivesse prestes a viver. Ou, pelo menos, que se podia imaginar querendo estar viva de novo. E queria fazer algo de bom com aquela vida.” Pode-se interpretar esse momento como sendo um chamado para o que Heidegger vai denominar de o “poder-ser-mais-próprio”, como que sinalizando o Dasein como “estando em débito”.


Segundo Heidegger, há sempre um “clamor” para o poder-ser-mais-próprio, que rompe com a impessoalidade do mundo impessoal (Sá, n.d.). Neste sentido, ao ficar cara a cara com um urso-polar, diante da possibilidade de uma morte violenta, Nora teve a certeza de que não estava pronta para morrer. Naquele momento ela se deu conta de que, na verdade, ela queria viver.


Para Heidegger, o Dasein não é completude, no sentido de acabamento, pois está sempre diante de possibilidades a serem desveladas e, dentre elas, está a morte como a possibilidade mais própria e insuperável que revela a finitude do ser-no-mundo. E, “é somente experienciando essa angústia frente ao nada que o Dasein pode escolher-se a si mesmo, encontrar o que tem de mais próprio e singular para além das estruturas do mundo impessoal” (Sá, n.d., p. 3).


Ao longo da narrativa, acompanhamos Nora experimentar vidas que, num primeiro momento, parecem mais felizes, mas a protagonista logo percebe que nelas também existem dores, mágoas e frustrações, como fica explícito no trecho de sua fala a seguir:

“(...) a gente passa tanto tempo desejando que a vida fosse diferente, se comparando com outras pessoas e com outras versões de nós mesmos, quando, na verdade, a maioria das vidas contém um certo grau de coisas boas e um certo grau de coisas ruins.”


Outro ponto que merece destaque diz respeito a uma fala da Sra. Elm, que na história atua como uma espécie de “guia”, conduzindo Nora no espaço entre as possibilidades de vida. Ela adverte: “A vida é sempre um ato”. Tal fala pode ser relacionada à noção heideggeriana de “projeto”. Quando afirma que a vida é um ato, a Sra. Elm sugere que viver não é apenas algo que acontece passivamente, mas algo que exige movimento, decisão. Heidegger utiliza o termo “projeto” para referir-se ao sentido temporal de projeção do Dasein. Pode-se dizer, portanto, que a vida é um projeto, porque partimos de um estar lançado para (através da escolha) nos projetarmos em algumas possibilidades e não em outras. Assim, a fala “a vida é sempre um ato” pode ser interpretada como a vida é sempre projeto.


Por fim, o ponto alto do livro acontece quando Nora reconhece que a vida não precisa ser perfeita para ser vivida com sentido. Ela toma a decisão de assumir a própria existência, não como busca de perfeição ou fuga, mas como abertura para ser-no-mundo em sua facticidade. Ao retornar à sua “vida raiz”, Nora escolhe vivê-la de forma mais consciente e aberta, o que corresponde a um movimento em direção à autenticidade, de sair do impessoal e apropriar-se de seu ser.

“Ontem eu sabia que não tinha futuro, e que era impossível, para mim, aceitar minha vida como é agora. E, no entanto, hoje, essa mesma vida confusa parece cheia de esperança. De potencial. O impossível, acho, acontece com o viver.”(p.267)


Para Heidegger, a possibilidade mais própria não pode ser remetida a outro ente, sendo necessário que o Dasein assuma o seu próprio ser a partir de si e para si mesmo. Ao buscar seu poder-ser mais próprio, o Dasein precisa decidir, isto é, recuperar sua escolha mais própria, já que esta se encontra perdida no impessoal. Logo, nesse sentido, ter consciência de suas escolhas significa recuperar seu projeto existencial.




Referências

Araújo, H. D. L. M. R. (2005). Os modos de existência do Dasein: inautenticidade e autenticidade em Ser e tempo.

Sá, R. N. (n.d.) A Analítica heideggeriana da existência em “ser e tempo”. UFF


 
 

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