Dinheiro e Felicidade: O que diz a Psicologia? – Parte 1
- Saulo Bagatini Silva

- 30 de out.
- 4 min de leitura

“Dinheiro não traz felicidade”, diz o antigo e controverso provérbio popular. Tenho certeza que muitas pessoas, ao ouvirem isso, imediatamente balançam a cabeça e reviram os olhos, imaginando como seriam mais felizes se pudessem quitar suas dívidas, ter um pouquinho de dinheiro sobrando no final do mês, ou talvez comprar um carro ou a casa própria.
Afinal de contas, num mundo em que nossa própria sobrevivência depende de dinheiro – seja para comprar comida ou pagar aluguel, luz e água – afirmar que dinheiro e felicidade nada tem a ver soa como idealismo ingênuo ou cinismo hipócrita vindo de quem nunca realmente passou por necessidades.
Ao mesmo tempo, acredito que a maioria das pessoas concordaria que, mesmo que o dinheiro seja importante, ele por si só não é suficiente para tornar alguém feliz. Assim como concordariam que muitas vezes a felicidade reside nas casas mais modestas, onde o dinheiro é escasso e fugaz, mas o amor, companheirismo e realização abundam. Parece óbvio, então, que a questão é por demasiado complexa para ser resumida em um ditado de quatro palavras. Mas, afinal, o que a Psicologia tem a dizer sobre isso?
Hoje, existe um extenso corpo de pesquisas sobre o tema, consolidado ao longo das últimas décadas, de modo que é possível chegar a algumas respostas bem embasadas. Uma das conclusões é a de que uma melhor condição financeira pode sim afetar positivamente o bem-estar, mas apenas até certo ponto, e que essa relação existe sobretudo em populações e países menos favorecidos (2*).
Isso porque, no geral, uma vez que a pessoa já ganha o suficiente para garantir suas necessidades, o dinheiro adicional não traz mais felicidade (1*, 2*, 3*, 4*, 6*). Isto é, depois que você garantiu suas necessidades de alimentação, moradia, saúde, segurança, transporte, educação, lazer, cultura, etc., o dinheiro a mais que você ganha, em regra, não te tornará mais feliz.
Assim, em países ricos e com pouca desigualdade, a relação entre renda e bem-estar subjetivo é muito baixa, já que a grande maioria da população tem acesso aos bens e serviços básicos. Em países mais pobres e desiguais essa relação é muito mais forte, tendo em vista que renda adicional significa, para a maioria, ter as suas necessidades fundamentais atendidas.
Um achado interessante é o de que, para aqueles que já têm o básico, o ganho de felicidade que uma maior renda traz é anulado pelo aumento nas aspirações de consumo que vem acompanhado (5*). Ou seja, conforme a pessoa passa a ganhar e consumir mais, ela tende a querer ganhar e consumir ainda mais, de modo que nunca fica plenamente satisfeita. Uma prova da falha inevitável de uma vida que busca no dinheiro e no consumo o sentido de sua existência.
De fato, pesquisas já mostraram como o acesso a uma riqueza muito elevada pode prejudicar a nossa capacidade de saborear as pequenas experiências e emoções positivas que vivenciamos no dia-a-dia (8*).
A conclusão lógica disso tudo é que o dinheiro por si só, bem como atitudes materialistas voltadas para o consumo, posse e ostentação, nada tem a ver com felicidade, bem-estar ou realização.
E o que isso diz sobre o mundo em que vivemos? Se consideramos que um dos objetivos de uma boa sociedade é maximizar o bem-estar existente, e sabemos que o dinheiro traz bem-estar, saúde e felicidade para os que têm pouco, mas não para os que têm muito, qual é o sentido que rege uma sociedade que mantém tantos na miséria enquanto uma minúscula parcela acumula a maior parte da riqueza que produzimos*?
*de 2020 a 2023, os 1% mais ricos ficaram com 2/3 de toda a riqueza gerada globalmente, seis vezes mais do que 90% de toda a população global (7)
Mas isso não quer dizer que não existem formas sábias de utilizar o seu dinheiro. Se você é afortunado o bastante para ter uma sobrinha no final do mês, que tipo de gasto tem uma maior chance de efetivamente contribuir com sua felicidade e bem-estar subjetivo? Esse será o assunto abordado na Parte 2 da nossa série sobre o tema “Dinheiro e felicidade”.
Referências
[1] Aknin LB, Norton MI, Dunn EW: From wealth to well-being? Money matters, but less than people think. J Posit Psychol2009, 4:523-527.
[2] Diener, E., & Biswas-Diener, R. (2002). Will money increase subjective well-being?. Social indicators research, 57(2), 119-169.
[3] Frey BS, Stutzer A: Happiness, economy and institutions. Econ J 2000, 110:918-938.11. Kahneman D, Deaton A: High income improves evaluation of life but not emotional well-being. Proc Natl Acad Sci 2010, 107:16489-16493.
[4] Kahneman D, Krueger AB, Schkade D, Schwarz N, Stone AA: Would you be happier if you were rich? A focusing illusion. Science 2006, 312:1908-1910.
[5] McBride, M. (2010). Money, happiness, and aspirations: An experimental study. Journal of economic behavior & organization, 74(3), 262-276.
[6] Mogilner, C., & Norton, M. I. (2016). Time, money, and happiness. Current Opinion in Psychology, 10, 12-16.
[7] OXFAM. A sobrevivência do mais rico: como os super-ricos se apropriam de uma fatia cada vez maior da riqueza gerada no mundo. [S. l.]: Oxfam, 2023. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/a-sobrevivencia-do-mais-rico/. Acesso em: 07 out. 2025.
[8] Quoidbach, J., Dunn, E. W., Petrides, K. V., & Mikolajczak, M. (2010). Money giveth, money taketh away: The dual effect of wealth on happiness. Psychological science, 21(6), 759-763.


